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“Eis aí um artista como aprecio: modesto em suas necessidades. Só quer efetivamente suas coisas: seu pão e sua arte, – panem et circen”. NIETZSCHE, Friedrich

 

 

Início do século XXI. Imagino como a posteridade pensará nosso presente. De uma coisa não duvido: eles não nos esquecerão. Mas não num bom sentido. Eternizaremo-nos por nosso estilo de vida do desperdício, não por nossas obras imortais e pensamentos inovadores.

Não entendo como se dá a organização dos tempos. Parece que tudo foi acontecendo de forma gradual, desde o surgimento do homem ao desenvolvimento de suas civilizações. Mas, num ápice, ele se transformou. Em um século formulou um modelo de vida terrivelmente superficial que destrói nosso sustentáculo no mundo, nosso planeta, a cada instante.

Num ápice. Anos 20, o aumento da produção ocasionou a queda dos preços dos produtos. Isso fez com que as pessoas passassem a consumir não por necessidade, mas por diversão. É então que começa a se perpetuar a ideia de que o ato de comprar traz contentamento. Avançando um pouco mais nessa linha cronológica, nos anos 50 passa-se a usar da publicidade a fim de seduzir o consumidor e fomentar o mercado. O fetichismo é então inserido, impulsionando o desejo pelo novo, pelo melhor, por aquilo que não foi adquirido.

Passa-se a atribuir valor às novas invenções, todo o resto se torna obsoleto. Movidos pela velocidade da pós-modernidade e pelo anseio em ter seus desejos satisfeitos, consome-se tudo, freneticamente, buscando, naquele ato, uma distinção, um alívio, um sentido.

Engraçado que um Platão pós-moderno talvez dissesse que a lógica desse sistema faz sentido. Afinal, a felicidade, para Platão, estaria numa realização sequencial de todos os desejos inatos de cada pessoa. Se desejo comprar e concretizo esse desejo, logo sou feliz. Mas não é bem assim. Esse desejo de consumir mais que o necessário não nasce conosco. Ele é construído socialmente (como tudo em sociedade).

Nietzsche já se preocupava: “Como fazer no bicho-homem uma memória? Como gravar algo indelével nessa inteligência voltada para o instante, meio obtusa, meio leviana, nessa encarnação do esquecimento?”¹. Faz-se necessária uma reforma cultural? Não nego que movimentos contracultura são bem-vindos, apesar de estarem cada vez mais enfraquecidos (não à toa). Até porque eles são a afirmação de que existem pessoas que destoam dessa uniformização social que sempre se fez presente desde que [supostamente] decidimos viver em rebanho.

É como se uma autonomia absoluta não existisse. Isso porque estruturamos nossa vida em um alicerce de valores morais que delimitam todas as nossas ações. Esses valores nada mais são que a denegação da experiência do tempo e da finitude, da experiência da morte. Como se para sobreviver se fizesse necessária a invenção de leis, valores morais, ultra mundos, finais escatológicos, sentidos absolutos para a vida, vida eterna, conceitos [banais] de felicidade, etc.

Temos até a ideia de Nietzsche, no livro “Assim falou Zaratustra”, em que ele retratou a questão do super-homem (ou além-do-homem) que, no meu entendimento simplista, é um homem que se supera, que se inventa no presente.

Essa é nossa maior luta. Não dá para viver sozinho, nem construir outro mundo. É esse o mundo que existe, portanto, é nele que devemos nos (re)formular e (re)elaborar a cada instante. Saber lidar com o choque entre a singularidade de cada indivíduo versus a padronização existente é, talvez, nosso maior desafio. Chegar a ser um processo criativo.

A sociedade de consumidores nos dita a forma para ser feliz. Uma fórmula que resulta na simples manutenção da vida, visando uma felicidade efêmera. Não há criação por não haver confronto contra aquilo que já está posto. Foi por isso que decidi me tornar artista. Artista da minha própria vida. Se todos assim o fizerem, talvez consigamos eliminar as pragas de nosso cultivo para que não nos envergonhemos, no futuro, de quem fomos. Quem sabe criar uma cultura diferente. Mas, para isso, é preciso criar-se a si mesmo, continuamente…

 

 

¹ NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral.